Em mais de metade da minha vida vou sendo médico-veterinário. Logo no início da minha carreira optei por viver fora de Lisboa e fui para o nordeste transmontano. Saí da capital que me viu nascer e crescer e fui amadurecer pelo norte e centro deste lindíssimo país.
Sendo jovem e citadino, desde logo senti a necessidade de ter uma imagem capaz de me afirmar como profissional veterinário perante os outros para-veterinários desses lugares distantes – alveitares, capadores, tratadores de gado e até bruxas e alguns funcionários do então Ministério da Agricultura e Pescas.
Uma das atitudes que tomei foi apresentar-me nas explorações pecuárias aonde era chamado sempre com bata e galochas brancas. Marcava assim a diferença entre o meu papel e o dos que apareciam de roupas sujas e surradas, com calçado ainda a feder aos estrumes pisados.
Imagem de diferença que nos criadores de gado causava, quiçá, alguma desconfiança inicial da competência profissional daquele “lavadinho” que ali surgia com um aspecto tão diferente do habitual nos outros, mas o desembaraço no lidar com os bichos e nos tratamentos feitos, fazia-a desaparecer e tornar-se preferência.
A imagem é importante. Muitas vezes definitiva.
É lícito que se prefira adquirir um cachorro ou um gatinho de raça pura em vez de um rafeirito, também se aceita naturalmente que se prefira usar uma mala Chanel do que um saco de feira por muito bonito que seja. No entanto, em relação a animais de companhia, temos de atentar em que os animais não são “coisas”. São seres vivos, com emoções, temperamentos diversos e afectos. Até as galinhas poedeiras de um aviário de produção de ovos reconhecem os seus tratadores e desconfiam de visitantes.
Há, portanto, que nunca considerar um animal de companhia como um adereço, um acessório que se pode usar e, passada a sua utilidade, descartar. Ele é um compromisso para uma série de anos. Não é só para a imagem.
Um bicho é parte da vida. E se há gente má que usa e abusa de outras pessoas, é preciso que saibamos que ter um animal não é só para usar. É um exercício de partilha de tempo e de espaço. De sentimentos. E uma enorme responsabilidade. Tão grande como ter alguém. Não podemos ser maus.
Ah. E não pensemos que um bichinho por ser pequeno e sedoso e fofinho é bonzinho. Antes de mais nada é de outra espécie, já nasce armado com uns caninos bem aguçados e por instinto usa a boca como arma de ataque e defesa. Cães e gatos não beijam – às vezes lambem (com a mesma língua com que se “lavam”). Muito do que um animal é deve-se ao que aprende com o seu detentor.
Mas não deixam de ser uma das grandes bênçãos que Deus nos dá. Alimentamo-nos deles, vestimo-nos e calçamo-nos com eles, usamo-los pelas especiais faculdades de força ou faro ou outra qualquer e ainda nos dão, sem pedir penhor, afecto e dedicação.
É tão fixe ter um Lulu da Pomerânia como o da Paris Hilton como ter uma gata rafeira, recolhida na rua, salva de morte certa por doença em idade infantil como a de uma das colaboradoras da Dress.
E isto tudo e tão pouco mencionado acima, só porque eu acho uma pena ter de se ter um Dia do Animal e do Veterinário. Para mim todos os dias são de Veterinário (Lógico!!). E todos os dias são de animais, dos meus e dos que me são trazidos para cuidar. Todos os dias são dia da Mãe (que saudades…) e do Pai (tantas…) e do Livro e da Mulher e de tudo.
Mas vai sendo preciso sacudir as pessoas para que saiam do seu rame-rame quotidiano e olhem para outras coisas, as vejam e reparem nelas. E então eu percebo o porquê dos dias de… qualquer coisa (e Deus me livre de esquecer de dar um agrado às senhoras no Dia da Mulher).
Obrigado a todas as colaboradoras da Dress for Success Lisboa, que sigam aprimorando a imagem de quem recorre a vós, que tenham um enorme sucesso com todas essas pessoas. E, já agora, que dão tanto amor ao vosso próximo, dêem hoje um agrado vosso animal de família, seja canário, periquito, peixinho dourado, cão ou gato. Mas nada hipercalórico ou humanizante para agradar também ao “vosso” veterinário.
Bem hajam.
Carlos Tomaz, Médico Veterinário