Os dias cresciam a um bom ritmo.
Os pés, descalços, desciam as ruas a correr.
A escola tinha terminado e o deitar cedo era substituído por mais uma hora de brincadeira.
Sabia que me tinha perdido no tempo quando a minha mãe me vinha chamar ao fundo do quintal.
Mas como saberia que eram horas? Na ausência de relógio o sinal era o escurecer…
– Não vês que está a ficar de noite? Dizia a minha mãe quando chegava ao pé dela.
Na verdade, eu via, mas aqueles momentos livres de brincadeira, descalça em contacto com a Vida, eram muito mais entusiasmantes que propriamente ir dormir.
Para além das brincadeiras extra, das tardes inteiras com os pais, das manhãs a acompanhar a avó no trabalho. Dos lanches frescos debaixo de uma árvore no quintal. Dos dias que pareciam intermináveis. Do cheiro a terra quando o pai regava o quintal ao fim do dia. Do chão quente que me punha os pés a arder. Da pele suada e queimada do sol dia após dia de liberdade… A chegada do Verão era também sinal de mais amor a entrar em casa. Amor que vinha de Paris. Amor de uma família que só via uma vez por ano, mas que não era motivo para ter uma admiração e ligação tão forte.
O amor vinha com a minha tia Minda, o meu tio Quim, a minha prima Catherine e o meu primo Joseph. Os meus tios já estavam emigrados quando nasci, a minha realidade sempre foi com eles longe, mas sempre tão perto.
A proximidade do dia da chegada fazia com que ficasse ansiosa.
A chegada significava um mês de fartura, um mês de união e casa cheia, um mês de mais amor, de partilha e de laços de sangue eternos.
Com eles vinha também um sem número de novidades e descobertas.
Traziam um mundo novo que me fascinava. Histórias de além-fronteiras que me aguçavam a curiosidade e me faziam colar à mesa a ouvir as conversas.
Admirava as coisas que traziam com que eu nem nunca tinha sonhado, nem sabia que existiam. Os primeiros patins, walkman, máquinas de fotos instantâneas, roupas da moda, perfumes e cremes que nem sabia para que serviam.
O que me fascinava não eram propriamente as coisas, nem ficava com o sentimento de inferioridade ou de também querer, (lembro-me perfeitamente), o que sentia era uma curiosidade imensa e fascínio pelo mundo que eu não conhecia e pelo que lá estaria. Era uma porta para um mundo desconhecido com que convivia durante um mês na minha casa.
O que admirava era uma forma de vida diferente da que vivia. Era o contacto e conhecer outras escolhas, outras vivências, outros caminhos, que não sendo melhores ou piores eram diferentes de tudo o que me rodeava. Sentia-os mais livres, mais independentes, positivos e despreocupados, o que, de alguma forma, me dava uma perspetiva mais leve de encarar a vida, e agradava-me.
Sem, saberem, pois nunca lhes disse, os meus tios e primos contribuíram e tiveram influência nas minhas escolhas. Com eles tive contacto com outros estilos de vida e visões que me alargaram os horizontes.
Vejam só a importância que as pessoas com quem contactamos em crianças podem ter no nosso crescimento.
A minha tia continua a viver em Paris, com os meus primos. A família tem crescido e sempre que podemos estamos juntos. O vínculo de sangue é inquebrável, nenhuma distância nos impede de amar.
O meu tio faleceu o ano passado, dedico-lhe este texto…
O tio Quim, portador de uma energia contagiosa, um ser humano que emanava generosidade e disponibilidade. Pessoa dedicada à família e que nunca virava costas a um pedido de ajuda.
Pessoa alegre que partiu cedo demais, mas que viveu de forma admirável, intensamente!
O tio, que puxou sempre por mim e me desafiava sempre a sair da minha zona de conforto.
Obrigada tio, tia e primos por fazerem parte da minha vida.
Sandra Oliveira
Economista / Coach